Domingo, 29 de Dezembro de 2013

O medo e a identidade difusa

Comparam-se, neste artigo, comportamentos observados por mim, para partir daí e analisar a relação entre medo e identidade difusa.

 

Assim, temos comportamentos observados de adolescentes no autocarro, em grande número, a falar alto entre si, muito grupal, com manifestação de alguma exuberância. Também, comportamentos observados de indivíduos, muito plausivelmente emigrantes, em particular, no caso, cabo-verdeanos, a falar alto entre si, no autocarro, na sua língua-mãe. Ainda, comportamentos observados de indivíduos estudantes universitários Erasmus, no metro, em grupo, a falar alto entre si, na língua-mãe respectiva. Nestes dois últimos grupos, também alguma exuberância.

 

Considere-se, antes de mais, o fenómeno de identidade difusa na adolescência. Em Dicionário de Psicopatologia da Criança e do Adolescente [ Houzel, Emmanuelli & Moggio ( coord. ) ( 2004 ) ], fala-se numa certa recusa da identidade, dizendo que o mesmo fenómeno será bastante respeitante aos estados-limite e psicoses. São de notar a este respeito as referências de Bergeret ( 1997 ) e de Coimbra de Matos             ( 2007 ) quanto à grande e crescente extensão do fenómeno borderline nas sociedades contemporâneas, particularmente sociedades histéricas capitalistas matriarcais, no âmbito do capitalismo global. A identidade difusa ainda será relativa a dificuldades de individuação, como se vê mais à frente em relação ao ego-pele de Anzieu, o que nos remete para comportamentos de associativismo grupal, em termos de sobrecompensação quanto à individuação, ou falhas na mesma individuação. Aquele Dicionário ainda refere que o fenómeno da identidade difusa se pode ver na problemática da personalidade múltipla, podendo nós aqui fazer a comparação que o que se conclui neste artigo quanto a fenómenos de grupo se refere a uma espécie de personalidade grupal.

 

Temos, pois, problemas identitários na adolescência, dificuldades de integração, muito particularmente ao nível grupal e extra-grupal, o que nos leva a um sentimento de ameaça externa, precisamente porque as fronteiras ego-corporais estão difusas, o que nos levará, como se diz mais à frente, a sentimentos xenófobos, no sentido do termo de medo do diferente. Essas características também serão uma das bases do conflito de gerações, em que os adolescentes terão particular medo dos adultos, do que eles representam, e essa será uma das razões porque se verifica frequentemente ajuntamentos invulgarmente grandes de adolescentes, como por exemplo nos transportes públicos, o que será um mecanismo de defesa que utilizarão para se defenderem do medo sentido, e em que há uma sobrecompensação relativamente às dificuldades de integração.

 

Quanto aos comportamentos observados, temos semelhança de comportamentos nos grupos referidos, com manifestação de exuberância comportamental, na linha histérica, em que se compara, em particular, adolescente com o turista, estrangeiro, emigrante, etc., particularmente, no sentido de problemas identitários, perante a população local, ou autóctone, com dificuldades de integração. Com estes problemas identitários, de dificuldades de integração, haverá, no comportamento de falar alto, como também alguma exuberância, sobrecompensação ao nível do sentimento de pertença, que se manifesta ao nível da presença física nesses locais, em que o indivíduo manifestará latentemente que não se sente como pertencendo onde está, em que as sobrecompensações serão defesas relativamente a ameaças sentidas no ambiente à volta do sujeito.

 

Temos, ainda, que no histérico, mais feminino, há sobrecompensações típicas, como se pode ver, por exemplo, em O sobrecompensatório na mulher ( Resende, 2012 ), principalmente derivadas da inveja do pénis, em que nas sociedades histéricas capitalistas matriarcais, haverão essas manifestações de falar alto, com gritos e exuberâncias, muito particularmente visível em talk-shows televisivos ou concursos, em que, no contexto do artigo, estas sobrecompensações revelarão, nestas sociedades, problemas identitários, dificuldades de integração, a nível global, planetário, com ausência de sentimento de pertença, com algum vazio ( fazendo lembrar o livro de Lipovetski, A Era do vazio ), no sentido de as sobrecompensações referidas revelarem um sentimento latente de não pertença àquele local físico, indicando sentimentos de vazio locais. Tendo em conta o capitalismo global, no contexto histérico, dir-se-à que essas sobrecompensações levarão aos sentimentos nacionalistas exacerbados, típicos dos sistemas xenófobos. Daí o sucesso da chamada guerra ao terror estado-unidense, contemporânea, relativamente a países árabes, muçulmanos, em particular, em que se revelam, precisamente, sentimentos xenófobos, no contexto do extremo do capitalismo, o militarismo expansionista fascista, sentimentos esses relativos à ameaça externa sentida quanto à difusidade das fronteiras ego-corporais, já referida. Poder-se-ia dizer que nos sistemas fascistas nacionalistas xenófobos, há, precisamente, e em sobrecompensação, a identificação do indivíduo com o país, ao nível das fronteiras, em que se sentirá a ameaça externa ao nível da difusidade fronteiriça, ego-corporal no indivíduo.

 

Continuando, naqueles sentimentos de vazio, dir-se-à mesmo que ocorrem dúvidas existenciais, que, no contexto do existencialismo, em particular francês, influenciado por Jean-Paul Sartre, são reveladas na famosa canção francesa, cantada em particular por Joe Dassin, Et si tu n’existe pas, em que se diz na canção Et si tu n’existe pas et si moi n’existerai, fazendo a referência hipotética da situação da mulher não existir e de o homem não existir no futuro. Isto remete-nos para o famoso lema das sociedades histéricas capitalistas matriarcais de viver o momento, que será precisamente uma sobrecompensação à dúvida existencial presente, quanto ao momento presente, com, exactamente, a sua sobrecompensação, enquanto que a situação de o homem não existir no futuro nos remete para falhas, que serão existenciais, de o homem não se imortalizar simbolicamente, tendo em conta a situação histórica de as obras científicas, literárias, artísticas e culturais, que foram sendo deixadas ao longo da história humana, serem precisamente de homens, reflectindo a necessidade de imortalidade simbólica no mesmo, em que precisamente nesta era do vazio já referida, essa necessidade estará a ser colocada em causa, devido às tendências mais contemporâneas das sociedades histéricas capitalistas matriarcais, particularmente com o actual capitalismo global. Isto poderá estar enquadrado no afamado desejo contemporâneo de fama e dinheiro rápidos, que estará associado, precisamente, ao delírio existencial momentâneo, com a sua sobrecompensação.

 

Voltando aos comportamentos observados, eles serão manifestamente histéricos, o que nos leva, quanto à difusão da identidade, às referências a Didier Anzieu, no Dicionário de Psicopatologia já mencionado, quanto às dificuldades sentidas, no contexto do ego-pele e envelopes psíquicos, sendo estes protótipos da relação do indivíduo com o mundo exterior, na patologia histérica, relativamente ao escudo para-excitações e individuação, quanto à sua constituição e desenvolvimento, em que temos, pois, que os estímulos externos são excessivos para o sujeito, ou, como neste caso, para os sujeitos. Estas considerações de Anzieu estão no enquadramento do já dito, quanto a sentimentos xenófobos, pela ameaça externa sentida pela difusidade das fronteiras ego-corporais, e ao medo sentido no conflito de gerações pelos adolescentes, pelas mesmas razões. Estas ideias nos levam a uma base da formação de comportamentos de gangue, em particular, pelas dificuldades de individuação referidas, mas também ameaça relativamente ao escudo para-excitações, com sobrecompensações, como ao típico comportamento em grupo de grupos neo-nazis, que terão este funcionamento em gangue, e terão as características já aduzidas, quanto à xenofobia, em que haverá sentimentos sobrecompensatórios relativamente ao sentimento de não pertença, que levará a sentimentos nacionalistas exacerbados, típicos dos sistemas xenófobos. Este comportamento grupal neo-nazi será, como já dito, um mecanismo de defesa para se defenderem do medo sentido, em que se pressupõe que o outro, do grupo, será visto como uma extensão do próprio, numa linha particularmente narcísica, constituindo, como já se disse, uma personalidade grupal.

 

Para mais, sendo o sistema neo-nazi um sistema matriarcal, a difusidade ego-corporal dos seus integrantes nos remete, identitariamente, para a difusidade ego-corporal relativa aos odores sexuais tipicamente exalados da mulher, com a importância da sexualidade feminina, particularmente, nas relações histéricas sexualizadas nos sistemas capitalistas, e seu extremo, fascismo, num contexto em que o neo-nazi, o fascista, se identifica acentuadamente com a mãe castrada, sentindo o mesmo que foi responsável pela amputação do pénis da mãe, com culpabilidade, já que sentirá que a mãe se quer vingar, como se pode ver em A guerra militar no homem fascista                 ( Resende, 2013 ). Acontecerá que o homem fascista será um filho-falo por excelência, que ao nascer terá amputado o pénis da mãe, cujos vestígios são o clitóris, havendo sentimento de perda de amor do objecto, por aquele desejo de vingança da mãe. Aquela identificação referida do homem fascista será ao nível da identificação fusional psicótica, como se vê naquele artigo agora referido.

 

Destaca-se, sobremaneira, em relação à difusidade ego-corporal relativa aos odores sexuais tipicamente exalados da mulher, o meu artigo A mulher e a morte ( Resende, 2013 ). Considera-se, no mesmo, o comportamento sexual típico da mulher no dia-a-dia, com comportamentos masturbatórios, sem resolução sexual, a fase após o orgasmo, daí as capacidades multi-orgásmicas, em que quanto mais orgasmos obtém, menor iniciativa sexual manifestará. Ora Jung diz-nos que a mulher que não se identifica com o Eros materno, perde capacidade de iniciativa, o que nos leva a pensar que há maior identificação com o Tanatos materno, ou instinto de morte. Fazendo referência que Jacques Lacan também associa sexualidade feminina e instinto de morte, é de considerar, realçadamente, a minha descrição do comportamento habitual e típico de mulheres mais velhas de pintarem o cabelo branco e grisalho, sinal manifesto de envelhecimento e velhice, denegando a velhice, o que contextualizando o agora dito revela-nos, importantemente, um medo relativamente generalizado do género feminino da morte e da proximidade da mesma. Relacionando a identificação da mulher com o instinto de morte com este medo do género feminino da morte, leva-nos a pensar no medo de morte da mulher dela própria. Ora, no contexto deste artigo, o medo relativo à difusidade sexual que a mulher sente, será, então, em relação a ela própria, em que será ela que se sente diferente, no sentido xenófobo, do medo do diferente, vendo nós então melhor a relação da mulher enquanto mãe com o homem fascista, e ao nível das personalidades grupais descritas neste artigo, e isto quanto à xenofobia. No contexto, o indivíduo identificando-se fusionadamente com a mãe, de modo acentuado, portanto, desenvolve ele próprio sentimentos xenófobos, em que fará a passagem de uma identificação introjectiva acentuada, de tipo fusional, para uma identificação projectiva também acentuada, em que, pelo já dito, teremos nas personalidades grupais descritas relações fusionais, havendo a recusa da identidade, característica da identidade difusa, da imago materna, que quanto mais acentuada fôr mais acentuadas são as relações grupais, explicando isto a passagem das características introjectivas para as características projectivas.

 

Deste modo, em geral, aqueles comportamentos observados, pelas dificuldades regredidas ao nível da individuação e escudo-para-excitações, em particular, como por tudo já dito, nos remetem para uma identificação acentuada com a mãe, numa linha pré-edipiana, como acontece precisamente com a histeria, que, pelas características fusionais já descritas, será no âmbito borderline, com organização acentuada ao nível oral e fálico, em que podemos comparar o nível oral com os comportamentos de falar alto e o nível fálico, com as sobrecompensações, fálicas, típicas no histerismo, e já referidas no artigo. Estas sobrecompensações estarão no enquadramento daquela recusa da identidade, que caracteriza a identidade difusa, como referido inicialmente, e serão defesas relativamente a medos, ameaças, sentidas no ambiente à volta do sujeito.

 

 

Bibliografia

 

Bergeret, J. ( 1997 ). A personalidade normal e patológica. Climepsi Editores

 

Coimbra de Matos, A. ( 2007 ). O Desespero: aquém da depressão. Climepsi Editores

 

Houzel, D., Emmanuelli, M. & Moggio, F. ( Coord. ) ( 2004 ). Dicionário de Psicopatologia da Criança e do Adolescente. Climepsi Editores

 

Resende, S. ( 2012 ). O sobrecompensatório na mulher em www.psicologado.com         ( proposto a 12/2012 )

 

--------------- ( 2013 ). A guerra militar no homem fascista em www.psicologado.com        ( proposto a 01/2013 )

 

--------------- ( 2013 ). A mulher e a morte em www.psicologado.com ( proposto a 12/2013 )

publicado por sergioresende às 11:25
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