Terça-feira, 26 de Agosto de 2014

Complemento a Inteligência artificial e o pensamento

Complemento a Inteligência artificial e o pensamento

 

Para melhor enquadrar o presente artigo, resume-se inicialmente o meu artigo Inteligência artificial e o pensamento ( Resende, 2014 ), para depois se fazer um complemento ao mesmo, que apoia as ideias descritas nesse artigo.

 

Assim, no artigo mencionado, descreve-se uma contribuição das ciências psicanalíticas para as ciências da computação, e em particular para a inteligência artificial.

 

Começando pela noção mais contemporânea nas ciências da computação, de computação quântica e de estados sobreimpostos, superimpostos ou sobrepostos, diremos que estes dizem respeito à consideração lógica da simultaneidade do estado falso e estado verdadeiro de uma asserção, mas antes de ser medido, pois quando medido ou observado o sistema se mostra em um único estado, como se pode ver na Wikipédia, em Sobreposição Quântica. Mais especificamente, a sobreposição dos estados é nulificada e o valor esperado de um operador é o valor esperado do operador nos estados individuais, multiplicado pela fracção do estado sobreposto que está nesse estado, como se pode ver na Wikipedia, em Quantum Superposition. Repare-se que, como muito importante, já se fala aqui em nulificação de um estado ou sua sobreposição, apelando eu a seguir a uma extensão desta noção.

 

Considera-se, depois, uma contribuição das ciências psicanalíticas para a computação, e em particular para a inteligência artificial.

 

Assim, temos o não enquanto organizador psíquico, com a noção psicológica da negatividade de uma asserção, e temos o não-seio, enquadrado na teoria do pensar de Wilfred Bion, em que temos o pre-conceito associado a uma frustração dando origem ao conceito, em que o não-seio é potenciador e criador de pensamento, tendo origem na noção de que o bebé quando frustrado quanto baste em relação à necessidade do seio materno potenciará o seu pensamento, tendo o mesmo como falta da satisfação desejada, como se pode ver em O pensamento clínico de Wilfred Bion, de Symington & Symington.

 

Deste modo, em termos de inteligência artificial, ao nível da computação, chegamos à noção de estados subimpostos, em que quer o estado verdadeiro quer o estado falso são negados, levando-nos à noção de que essa negação estará relacionada com o tempo lógico, no sentido de ser uma negação e estados temporalmente provisórios. Em termos de pensamento, em particular de pensamento científico, remete-nos para a noção de Karl Popper da provisoriedade das verdades científicas e no sentido de elas serem refutáveis. Isto fará caracterizar uma inteligência artificial com um pensamento de nível científico, uma inteligência artificial enquanto cientista. Para mais, naquela temporalidade provisória da negação e estados subimpostos, e ao nível de uma árvore de decisões computacional, teríamos que aquela negação inicial levaria a uma regressão na árvore, com reinício do processo, em que teríamos uma espécie de tentativa e erro. Com um processo continuado de negações e reinícios, teríamos algo ao nível da reflexão, de uma capacidade reflexiva, em que tendo em conta o registo em memória das tentativas, e seus resultados, teríamos algo ao nível de uma aprendizagem, de uma capacidade de aprender. Diz-se mais, que no seguimento é importante referir outro desenvolvimento Bioniano, que é a ideia de os pensamentos estarem à “ espera “ do pensador para os pensar, e isto no contexto teórico de os conteúdos do pensamento, para Bion, surgirem antes do continente, ou aparelho para pensar, tornando isto mais valorativo o input computacional. É de dizer que embora a resposta seja importante, a pergunta é essencial. Estas considerações vão na linha da importância atribuída à introjecção, na vida mais precoce do bebé, no enquadramento da perspectiva teórica das relações de objecto internalizadas, perspectiva micro-sociológica, e não psicogenética, esta mais Kleiniana, que valoriza mais a projecção inicial na vida precoce do bebé.

 

Continuando o resumo, é de dizer que os processos já descritos fazem-nos lembrar um mecanismo de defesa mais tipicamente obsessivo, o juízo de condenação, que, remetendo para a capacidade de adiar a gratificação, é descrito em Vocabulário da Psicanálise, de Laplanche & Pontalis, como uma operação ou atitude pela qual o inidivíduo, ao tomar consciência de um desejo, a si mesmo proíbe a sua realização, principalmente por razões morais ou de oportunidade. Para mais, Daniel Lagache, citado no mesmo livro, caracteriza este juízo ao nível do adiamento da satisfação, modificação dos alvos e dos objectos, tomada em consideração das possibilidades oferecidas pela realidade ao indivíduo e dos diversos valores em jogo e compatibilidade com o conjunto das exigências do indivíduo, sendo, como é de ver, características muito apropriadas para um funcionamento computacional de uma inteligência artificial, em particular a consideração das possibilidades e diversos valores em jogo. Coerentemente para nós, é dito no mesmo livro que para S. Freud o juízo de condenação é um avatar da negação, em que o não é a sua marca, só se tornando possível graças à criação do símbolo da (de)negação, conferindo ao pensamento um primeiro grau de independência, quer em relação às consequências do recalcamento quer em relação à compulsão do princípio do prazer, ou traduzindo computacionalmente, às necessidades mais imediatas, podendo nós pensar, por exemplo, em necessidades energéticas, no sentido da eficiência energética, como o desligar temporariamente sistemas que não estejam a ser precisos, estando isso representado exemplarmente no save screen ou protecção de ecrã dos computadores normais. Vemos aqui novamente o factor temporal, que se liga a um tipo de recalcamento, e à independência em relação a este.

 

Acabando o resumo, teríamos, no todo, com estados quânticos subimpostos, com negação simultânea do estado falso e do verdadeiro, a possibilidade da criação de uma inteligência artificial com capacidades pensativas ao nível científico, com potencialidade de capacidade reflexiva e capacidade de aprender, com um mecanismo de defesa em todo ele semelhante ao humano.

 

Mais para o presente artigo, e voltando-nos mais especificamente para a tentativa e erro mencionada, com processos continuados de negações e reinícios, levando à eventual capacidade reflexiva e de aprendizagem, veja-se, no que diz respeito à computação, e à tentativa e erro, o exemplo dado na Wikipedia ( Trial and error, Wikipedia ), em que se considera que tentativa e erro é um método fundamental para resolver problemas, caracterizado por tentativas repetidas e variadas que continuam até se obter sucesso, ou até o agente parar de tentar. Em geral, é um método não sistemático que não emprega insight, teoria ou metodologia organizada. Sendo um método heurístico de resolver problemas ou de obter conhecimento, no campo das ciências da computação este método é chamado de gerar e testar. Como já se disse, sendo uma abordagem que pode ser vista como uma de duas abordagens básicas de resolver problemas, contrastando com a abordagem usando insight e teoria, tem-se em conta, contudo, que há métodos intermediários que, por exemplo, usam teoria para guiar o método, uma abordagem conhecida como empirismo guiado. Como é de ver, é esta intermediação que se relaciona com o que propus no primeiro artigo referido, da Inteligência artificial e o pensamento.

 

Noutra referência, no Website                                                                   chessprogramming                                                   ( https://chessprogramming.wikispaces.com/ Trial+and+error ), é ainda avançado que, em geral, a tentativa e erro não faz qualquer tentativa de descobrir porque uma solução funciona, verificando apenas de que é uma solução, o que é uma base interessante para reflectir, particularmente porque nesse sentido há recuperação temporal relativamente à maior perda de tempo que implica a abordagem de tentativa e erro, relativamente a outras abordagens, especialmente aquelas de bases eminentemente teóricas.

 

Ainda sobre este assunto, temos a contribuição especial de um artigo publicado na Biblioteca da Universidade de Cornell, com o título On the Complexity of Trial and Error, pelos autores Xiaohui Bei, Ning Chen e Shegyu Zhang. Foi submetido a 6 de Maio de 2012, numa primeira versão, com uma revisão publicada a 18 de Abril de 2013 ( Bei, Chen & Zhang, 2013 ). Assim, em relação a certas aplicações da física, bioquímica, economia, mas mais pertinentemente para nós, das ciências da computação, em que os objectos de investigação não estão acessíveis por várias limitações, os autores propõem um modelo de tentativa e erro para examinar algoritmos nessas situações. Avançam que dado um problema de pesquisa com um input escondido, é pedido achar-se uma solução válida, para as quais se podem propor soluções candidatas           ( tentativas ), e usando violações observadas ( erros ), para preparar futuras propostas. É considerada uma classe abrangente de problemas de satisfação constrangida, assumindo que os erros são assinalados por um oráculo de verificação no formato de um índice de constrangimento violado. Ainda é de dizer que o modelo dos autores investiga o valor da informação, e os seus resultados demonstram que a falta de informação de input pode introduzir vários níveis de dificuldade extra, em que o modelo exibe conexões íntimas com certas teorias existentes de aprendizagem e de complexidade, esperando que seja um suplemento útil às mesmas.

 

As limitações e os constrangimentos referidos estarão associados, proponho eu, na computação e inteligência artificial, às dificuldades de desconhecimento do funcionamento mais optimal de uma inteligência artificial, em que o modelo dos autores investigando o valor da informação, concluindo que a falta de informação de input introduz dificuldades extra e propondo precisamente o seu modelo de tentativa e erro, que esperam poder suplementar certas teorias existentes de aprendizagem e de complexidade, vem-nos dizer que a tentativa e erro é um bom modelo para lidar com falta de informação de input, enquanto limitação e constrangimento, realçando o valor do input informacional, computacional, na inteligência artificial, como propus no artigo mencionado anteriormente, com a relação que estabeleço desse input com os conteúdos do pensamento relativamente ao aparelho de pensar, no contexto da teoria do pensar de Bion.

 

Como é de ver, a contribuição dos autores agora referenciados vem apoiar a minha proposta, que fiz no artigo já referenciado, enquanto que a minha contribuição, em particular, ao nível das descrições propostas da tentativa e erro, complementa aqueles autores, e em que as relações que estabeleço baseadas na contribuição psicanalítica e ao nível dos estados subimpostos suplementam os mesmos.

 

 

Bibliografia

 

Resende, S. ( 2014 ). Inteligência artificial e o pensamento em www.psicologado.com   ( proposto a 01/2014 )

 

 

Referências de Internet

 

Bei, X., Chen, N. & Zhang, S. ( 2013 ). On the Complexity of Trial and Error in Cornell University Library, arXiv:1205.1183v2[cs.cc], em arxiv.org/abs/1205.1183, consultado em 28/06/2014

 

Chessprogramming in https://chessprogramming.wikispaces.com/ Trial+and+Error, consultado em 28/06/2014

 

Wikipedia. Trial and Error in en.wikipedia.org/wiki/Trial_and_error, consultado em 28/06/2014 

publicado por sergioresende às 12:29
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Domingo, 20 de Abril de 2014

O sonho e as identidades de percepção e de pensamento

O sonho e as identidades de percepção e de pensamento

 

Considera-se, neste artigo, a relação entre sonho e as identidades de percepção e de pensamento, fazendo-se também um enquadramento societal capitalista e comunista.

 

Tenha-se em conta, antes de tudo, a definição de Laplanche & Pontalis ( 1990 ) de identidade de percepção e de identidade de pensamento, com realce para a identidade de percepção como se procurando reencontrar a imagem do objecto resultante da vivência da satisfação e para a identidade de pensamento enquanto identidade dos pensamentos entre si.

 

Assim, aqueles autores, ao caracterizarem identidade de percepção e identidade de pensamento, nos dizem que a primeira surge da tendência do processo primário e que a segunda surge da tendência do processo secundário, em que considera-se que o processo primário visa reencontrar uma percepção idêntica à imagem do objecto resultante da vivência da satisfação e que no processo secundário a identidade procurada é a dos pensamentos entre si. Em termos económicos, o processo primário caracteriza-se pela descarga imediata e o processo secundário pela inibição, adiamento da satisfação e desvio, mas ao nível da identidade de percepção temos equivalências estabelecidas entre representações, em que procurando a vivência da satisfação, liga uma descarga eminentemente satisfatória à representação de um objecto electivo. Assim, o indivíduo vai daí em diante repetir a percepção que está ligada à satisfação da necessidade. Considera-se, para mais, que a identidade de pensamento constitui uma modificação da identidade de percepção, não se deixando regular exclusivamente  pelo princípio do prazer, em que fazendo a ligação entre representações não se deixa iludir pela intensidade delas, sem tanta necessidade de satisfação imediata. Temos, então, que esta modificação constituirá a emanação daquilo a que a lógica chama princípio de identidade.

 

Aqueles autores indicam, ainda, que Freud considerou que o sonho está mais relacionado com a identidade de percepção e esta, portanto, com o inconsciente. Será no sentido do sonho ser a realização de um desejo inconsciente ( Freud, 1988 ), em que nessa realização haverá como que o conseguir reencontrar a imagem do objecto resultante da vivência da satisfação. Contrapõe-se que se há a tendência para realizar um desejo inconsciente é porque o mesmo não foi realizado na vida do indivíduo, e será nesse sentido em que a vivência da satisfação não existiu que não haverá, portanto, essa procura.

 

Continuando, propõe-se que o conteúdo manifesto, com sua mis-en-scéne, com os seus adereços, com representações imagéticas do dia-a-dia do indivíduo, estará mais relacionado com o aspecto perceptivo mais enquadrado na identidade de percepção, enquanto que o conteúdo latente, revelado pela interpretação do sonho, com seu trabalho e pensamento do sonho, com seus mecanismos como a condensação, em que há condensação de afecto relativo a outras representações, e a sobrerepresentatividade, com a figurabilidade ( Freud, 1988 ), em que Lacan ( 1996 ) também realça a importância da sobrerepresentatividade no sonho para Freud, indicam-nos maior relação com a identidade de pensamento, com a identidade das representações, dos pensamentos entre si, já que os vários aspectos latentes se relacionam e se identificam uns com os outros.

 

Para além disso, realçando-se o aspecto imagético, perceptivo, do conteúdo manifesto, relacionaríamos mais esse conteúdo com o histerismo, destacando-se em Identidade de percepção e Identidade de pensamento ( Resende, 2014 ) a relação da identidade de percepção com o capitalismo enquanto sistema histérico. Assim é, ao nível societal capitalista, temos acentuação da Máscara, esta enquanto arquétipo de adaptação externa, sobrecompensatoriamente, com enfoque excessivo do aspecto externo, com características histéricas de sedução, de tentar agradar, particularmente através da imagem do próprio perante os outros, com maior caracterização ao nível da identidade de percepção, com o exemplo cultural de filmes e reality-shows estado-unidenses, com capitalismo acentuado, a indicarem que tudo é percepção, o que interessa é a imagem transmitida aos outros. Para mais, temos, no capitalismo, a importância da satisfação, gratificação, imediata, muito ao nível do processo primário e do princípio do prazer. Para mais, e pela minúcia e pelo detalhe na interpretação do conteúdo latente do sonho, como se vê em particular em A interpretação dos sonhos, de Freud ( 1988 ), e por mecanismos como a sobrerepresentatividade, com a identidade dos pensamentos do sonho entre si, com o realce, já referido, que Lacan      ( 1996 ) nos indica acerca da importância da sobrerepresentatividade no sonho para Freud, mecanismo sobejamente obsessivo, ligaríamos, pois, o conteúdo latente à obsessão, também se destacando em Identidade de percepção e Identidade de pensamento ( Resende, 2014 ) a relação da identidade do pensamento e o comunismo  enquanto sistema obsessivo. No comunismo, por contraponto ao capitalismo, temos acentuação da Sombra, com eventual enfoque sobrecompensatório excessivo do aspecto interno, mais obsessivo, não importando tanto a imagem transmitida aos outros, com a caracterização ao nível da identidade de pensamento, com o exemplo específico do epíteto atribuído aos Partidos Comunistas, particularmente pela sua coerência ideológica, de partido de pensamento único, em que temos, pois,  a identidade dos pensamentos entre si, podendo isso ser generalizado aos restantes indivíduos comunistas, reconhecidamente politizados, e como se faz a análise política de, em geral, o eleitorado comunista ser relativamente fixo.

 

Assim, pela importância do significado do conteúdo latente, teríamos, em última instância, o sonho mais relacionado com a identidade de pensamento, com o inconsciente, pois, mais relacionado com a obsessão, considerando nós a famosa asserção de Freud de que o sonho é a “ estrada real “ para o inconsciente, em que teríamos a estrada real mais associada ao conteúdo manifesto e em que a interpretação do sonho e seu significado latente estariam mais ligados ao inconsciente, com o conteúdo manifesto mais associado ao histerismo e o conteúdo latente à obsessão. Destaca-se, relacionadamente, a consideração comum de quando uma pessoa tem um sonho, a nível relacional, profissional, etc., e quer realizá-lo, em que temos o sonho como uma fixação, lá está, como uma obsessão. Este sonho de vida estaria, então, associado a aspectos mais latentes do inconsciente do indivíduo, que reflectiria então diferenças a este nível entre as pessoas, e seus sonhos, como no exemplo, dado mais à frente, das diferenças entre o Sonho Americano e o Sonho Russo.

 

Continuando, teremos a noção de psicologicamente a identidade de pensamento ser mais evoluída do que a identidade de percepção, com os correspondentes processo secundário e princípio da realidade a serem mais evoluídos do que o processo primário e princípio do prazer, como se vê no artigo das identidades referido, em que na identidade de pensamento já não se funcionará tão egocentricamente, tão ao nível do auto-narcisismo, em omnipotência da relação precoce, portanto anterior em evolução, não apelando tanto à necessidade de satisfação, gratificação, imediata. Laplanche & Pontalis ( 1990 ) nos dizem que a oposição entre processo primário e processo secundário é correlativo da oposição entre princípio do prazer e princípio da realidade, em que este último, ao contrário do primeiro, tem em conta as condições impostas pelo mundo exterior. Temos também, como já visto, a associação da identidade de pensamento com o princípio da identidade.

 

Realça-se o descrito mais à frente, de Houzel, Emmanuelli & Moggio ( Coord. ) ( 2004 ), com a indicação acerca de D. Anzieu considerar na patologia histérica, no contexto do ego-pele e dos envelopes psíquicos, haver dificuldades ao nível da constituição do escudo para-excitações, o que causará uma maior dependência de estímulos externos, o que se adequa com as características mais perceptivas do histérico capitalista. Essa maior dependência de estímulos externos do histérico capitalista, considerando as sociedades histéricas capitalistas matriarcais, no âmbito do capitalismo global contemporâneo, faz, em termos evolutivos, aproximar mais o histérico do que o obsessivo, este mais ligado ao comunismo, da referência acentuadíssima de outros animais relativamente à dependência em relação aos sentidos e aos estímulos externos. Isto, em conjunto com a violência social e humana da exploração capitalista, fará melhor enquadrar a famosa expressão do Capitalismo Selvagem. Temos, também neste sentido, a identidade de percepção menos evoluída do que a identidade de pensamento, com o comunismo psicologicamente mais evoluído do que o capitalismo e outros sistemas mais reaccionários, reactivos excessivamente aos estímulos externos, com dependência deles, como o fascismo, extremos do capitalismo, ou o socialismo reacionário, com políticas de direita, que, como o Manifesto Comunista        ( Marx & Engels, 1998 ) nos diz, promove a permanência dos habituais políticos e dirigentes de linha conservadora e de tendência burguesa. Em particular, no expansionismo espacial militarista fascista, teremos um enquadramento das características já apresentadas, com um acting out, com a passagem ao acto mais imediata, menos mentalizado, com relação mais directa entre estímulos externos e reacção comportamental, resposta comportamental.

 

Pelo dito, poderíamos aqui enquadrar o chamado Sonho Americano, que pelas características aduzidas, se caracterizará, então, mais por aspectos manifestos, mais externos, mais histéricos, apelando muito à identidade de percepção e ao reencontrar da imagem do objecto de satisfações anteriores, regulando-se muito pelo princípio do prazer e deixando-se então controlar pelas intensidades das representações, em que se destaca a importância excessiva atribuída a celebridades e à visualização das mesmas, e ao tentar ser bem sucedido como eles, a importância da gratificação imediata, o “ aqui e agora “ histérico, e o aspecto relativamente ilusório de ser bem sucedido, em que por cada caso de sucesso, muito divulgado imageticamente, há números significativos de indivíduos que são considerados falhados, não bem sucedidos, podendo nós dar o exemplo de números significativos de licenciados trabalharem em empregos básicos, não considerados de sucesso. Pelo descrito, será, então, um Sonho menos evoluído.

 

Podemos também enquadrar aqui um Sonho de uma sociedade mais progressista, embora ainda capitalista, como da sociedade russa, em que se poderá dizer que o Sonho Russo foi tema da Cerimónia de Abertura dos recentes Jogos Olímpicos de Inverno, realizados em Sochi, Rússia. Aspecto crucial, referente a uma menina a sonhar, foi o de haver a envolvência do alfabeto russo, com ligações das letras a feitos russos e à história russa. Neste aspecto, num âmbito mais obsessivo, no sentido linguístico, é de realçar a ligação da linguagem ao inconsciente, em que, como dissemos anteriormente, haverá uma maior ligação do inconsciente à obsessão, no sentido do aspecto latente, em que podemos denotar o destaque que Lacan ( 1996 ) faz quanto à linguagem enquanto base do inconsciente. Há aqui uma maior ligação à identidade de pensamento, pela identidade das representações linguísticas entre si, unidas pelos feitos russos e história russa, no quadro de uma sociedade mais progressista do que a estado-unidense.

 

Assim, pelo apresentado, teríamos que o Sonho Russo será mais evoluído do que o Sonho Americano.

 

Continuando, ainda é de relacionar o sonho com o mecanismo do recalcamento, em que se dirá que o material inconsciente é material recalcado, recalcamento como mecanismo mais predominantemente histérico, denotando-se, sobremaneira, que posteriormente há uma tendência, relacionada com a compulsão à repetição, do material inconsciente se manifestar, particularmente no sonho. Dir-se-á que nesta tendência para manifestação, e por contraponto ao recalcamento mais histérico, anterior, há mecanismos mais obsessivos, em que se nota a obsessão em particular no fenómeno da compulsão à repetição. Denotando ainda a referência que Jacques Lacan, em Escritos ( Lacan, 1996 ), faz, citando Freud, de que o deslocamento é apresentado como o meio mais eficaz de que dispõe o inconsciente a fim de ultrapassar a censura, dir-se-á, no contexto, que o deslocamento envolvido no sonho é predominantemente obsessivo, realçando-se novamente, e do mesmo livro de Lacan, a referência que o autor faz acerca da importância da sobrerepresentatividade no sonho para Freud, fenómeno patentemente obsessivo e, como é de ver, relacionado com o deslocamento, que permitirá, sobremaneira, aquela sobrerepresentatividade. Para sermos mais precisos, a característica de facilidade de deslocamento do afecto entre representações do histérico, com aquilo que foi dito antes, indica-nos que o deslocamento fará a passagem entre uma base histérica para um funcionamento obsessivo, já que no deslocamento e na sobrerepresentatividade o afecto eventualmente para, eventualidade mais para o deslocamento, e mais garantidamente no outro mecanismo, em que, portanto, a base histérica do deslocamento associa-se e baseia-se na utilização de aspectos imagéticos, principalmente do dia-a-dia e do passado, nos aspectos mais manifestos, mais relacionados com a identidade de percepção, do conteúdo manifesto do sonho.

 

Agora, acerca dos sonhos recorrentes, realce-se, particularmente em Freud ( 1988 ), o sonho enquanto realização de um desejo inconsciente, em que nos perguntamos acerca do porquê da recorrência do sonho. Se quisermos manter a regra do sonho enquanto realização de um desejo inconsciente, teremos que o sonho recorrente, ou o motivo ou temática recorrente, denota-nos que o mesmo não está relacionado estritamente com a realização de um desejo inconsciente, no sentido em que não será esse o tema central do sonho recorrente, já que teríamos que antes de se tornar recorrente, o desejo já deveria estar realizado e, por consequência, não se repetir. No mesmo sonho recorrente, dever-se-ão procurar aspectos do sonho aparentemente menos centrais e, numa tendência Junguiana, utilizar a técnica da amplificação, com realce desses aspectos menos centrais, e interpretá-los de acordo com as associações que o indivíduo que teve o sonho faz, relativamente a esses temas menos centrais. Esta maneira de ver o sonho recorrente é semelhante à maneira que Freud ( 1988 ), em seu A interpretação dos sonhos, aborda a angústia no sonho, dizendo que os aspectos que não se associam à angústia, embora aparentemente importantes, não serão o tema central do sonho, não sendo essa a mensagem do inconsciente, em que a mesma mensagem se relacionará com os aspectos angustiantes.

 

Para mais, considerando-se a indicação de Lacan ( 1996 ), de que para Freud o deslocamento é apresentado como o meio mais eficaz de que dispõe o inconsciente a fim de ultrapassar a censura, destaquem-se novamente as noções de identidade de percepção e de identidade de pensamento. Se como Laplanche & Pontalis ( 1990 ) dizem, a identidade de pensamento não se deixa iludir pela intensidade das representações, temos que a censura, no sonho, deixando-se iludir pela intensidade das representações, não tanto do processo primário e do princípio do prazer, ou seja, pela alta intensidade das representações, mas sim pela menor intensidade das representações, em que particularmente pelos mecanismos de deslocamento e de sobrerepresentatividade há o ultrapassar da censura, com a intensidade disfarçada, teremos que a censura está a meio caminho entre a identidade de percepção, já que a satisfação de tendências inconscientes, e a identidade de pensamento, em que há também o considerar das condições da realidade exterior e psíquica. Já que, como já se disse, o conteúdo latente do sonho está mais relacionado com a identidade de pensamento, teríamos que esse conteúdo estaria mais relacionado com um inconsciente, obsessivo, em que esse inconsciente estaria mais associado às representações da realidade, na linha do processo secundário e do princípio da realidade da identidade do pensamento, que nos daria uma ligação à potencialidade criativa do inconsciente, particularmente colectivo, de que Jung ( 1988 ) tanto nos fala, por precisamente o inconsciente estar associado aos fenómenos da realidade, estar associado às relações entre os fenómenos da realidade.

 

Quanto àquele caminho, acima mencionado, da censura, será mais preciso dizer estar a meio caminho entre a identidade de pensamento e a identidade de percepção, num caminho contrário aos processos perceptivos mais conscientes, mais ao nível sensorial. Nesta delineação, teremos que a censura psíquica tem características inversas à censura externa, particularmente externalizada, realçando-se os meios de comunicação de massas, numa sociedade baseada, por exemplo, ao nível perceptivo, como o visual, o auditivo, etc., nos fenómenos de censura subliminar, ao nível das mensagens subliminares, e não tão subliminares, com maior ou menor reforço dos comportamentos, emoções, pensamentos, de reacção, de resposta, a essas mensagens, reforço esse positivo ou negativo. Teremos que quanto mais se acentua a censura externa, particularmente ao nível da intensidade das mensagens, especialmente emocionais, menos se acentua a censura psíquica, interna, precisamente pelo direcionamento contrário entre as mesmas. O agora descrito, e pelo apresentado anteriormente, indicar-nos-ia que quanto mais um indivíduo estiver controlado pela censura externa, menos o indivíduo se caracterizará  pela criatividade, enquanto advinda do inconsciente.

 

Tenha-se ainda em conta que, pelo descrito neste artigo, em que temos conteúdo manifesto, mais imagético e perceptivo, com identidade de percepção mais associada ao capitalismo enquanto sistema histérico, e em que temos conteúdo latente, com mecanismos inconscientes mais obsessivos e com identidade de pensamento mais associada ao comunismo enquanto sistema obsessivo, e com um inconsciente mais obsessivo, se deve perspectivar que aquela censura externa, como descrita, funcionará particularmente bem num sistema mais histérico, como o capitalismo e seu extremo, fascismo, realçando-se neste ponto o indicado por Houzel, Emmanuelli & Moggio          ( Coord. ) ( 2004 ) acerca de D. Anzieu considerar na patologia histérica, no contexto do ego-pele e dos envelopes psíquicos, haver dificuldades ao nível do escudo para-excitações, o que causará uma maior dependência  de estímulos externos, o que se adequa com as características mais perceptivas do histérico capitalista. Ora, a censura num sistema comunista funcionará mais ao nível de um controlo mais directo da censura interna, psíquica, que se caracterizará em particular pelo questionamento, do pôr em dúvida, da identidade dos pensamentos entre si, da sua coerência. Politicamente, desvios ideológicos ao comunismo são especiais alvos de censura.

 

É sintomático que num sistema capitalista, ou o seu extremo, fascismo, os inimigos são considerados como sendo externos, digamos assim, mais ao nível perceptivo, com fenómenos xenofóbicos relativos ao estrangeiro, em que temos o exemplo histórico dos Estados Unidos, em que houve a contínua mudança como inimigo externo do comunismo soviético e do movimento comunista internacional para os assim considerados fundamentalistas islâmicos, no âmbito do “ terrorismo islâmico “, com a consequente “ guerra ao terror “, enquanto que num sistema comunista, os inimigos são considerados como sendo internos, menos perceptivo e mais inconsciente, por assim dizer, com fenómenos como o considerado “ inimigo do povo “, num enquadramento ideológico de afastamento do ideal comunista.

 

Finalizando, foram estas, pois, as elaborações acerca da relação entre o sonho e as identidades de percepção e de pensamento, tendo-se feito também um enquadramento societal capitalista e comunista.

 

 

Bibliografia

 

Freud, S. ( 1988 ). A interpretação dos sonhos. Pensamento – Editores Livreiros, Lda.

 

Houzel, D., Emmanuelli, M. & Moggio, F. ( Coord. ) ( 2004 ). Dicionário de Psicopatologia da Criança e do Adolescente. Climepsi Editores

 

Jung, C. G. ( 1988 ). A prática da psicoterapia ( tradução portuguesa ) in Obras Completas de C. G. Jung, Vol. XVI. Petrópolis: Editora Vozes

 

Lacan, J. ( 1996 ). Escritos. Editora Perspectiva

 

Laplanche, J. & Pontalis, J. B. ( 1990 ). Vocabulário da Psicanálise. Editorial Presença

 

Marx, K. & Engels, F. ( 1998 ). The Communist Manifesto. Signet Classic ( Publicação original, 1848 )

 

Resende, S. ( 2014 ). Identidade de percepção e Identidade de pensamento in www.psicologado.com ( proposto a 04/2014 )

publicado por sergioresende às 12:54
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Segunda-feira, 10 de Março de 2014

Psitrões enquanto base dos psemes e os " psychons " do pensamento

Psitrões enquanto base dos psemes e os “ psychons “ do pensamento

 

Consideram-se, neste artigo, alguns artigos meus, a saber, Psemes: para além dos genes e dos memes ( Resende, 2010 ), Psemes: Evolução por Selecção Psicológica          ( Resende, 2010 ), Evolução por Selecção Psicológica Lamarckiana ( Resende, 2010 ), Psitrões enquanto base dos psemes e suas relações com a histeria e a obsessão             ( Resende, 2010 ), Influência da transmissão psemética por género e por tipo de personalidade ( Resende, 2010 ), A telepatia e suas relações com os psitrões enquanto base dos psemes ( Resende, 2011 ), Características psitrónicas dos inconscientes colectivo e pessoal: a autotelepatia ( Resende, 2011 ), Distinção entre heterotelepatia e autotelepatia ( Resende, 2011 ) e Psemes: fundamentos perinatais e transpessoais     ( Resende, 2012 ), para depois se fazer uma referência bibliográfica relativa aos psitrões enquanto base dos psemes, com os “ psychons “ do pensamento a assemelharem-se a esses psitrões.

 

Assim, de base, deve ter-se a noção dos psemes enquanto unidades de evolução psicológica, enquanto unidades psicológicas de transmissão intergeracional. Os psemes serão pensamentos inconscientes que são constituídos enquanto complexos, ou conjunto de complexos, inconscientes, complexos estes enquanto conjunto de disposições psicológicas, psicológica e significativamente relacionadas. Os psemes terão características Lamarckianas, no sentido de os complexos inconscientes poderem ser modificados durante a vida do indivíduo, com as modificações a serem transmitidas às gerações seguintes. Já os psitrões perspectivam-se enquanto partículas psicológicas que subjazem os psemes, da mesma maneira que o inconsciente, ego e consciente se constituirão enquanto instâncias psíquicas. Relacionando os psitrões com a histeria e a obsessão, dir-se-à que a histeria é caracterizada por psitrões curtos e que a obsessão é caracterizada por psitrões longos. Isto porque a tendência para a satisfação imediata do histérico tem por base psitrões que estariam associados à memória curta, daí o recalcamento histérico, e à inibição dos receptores psitrónicos associados à memória a longo prazo, enquanto que a tendência para o adiamento da satisfação, característica da obsessão, e relacionada com o juízo de condenação, teria por base psitrões que estariam associados à memória a médio e a longo prazo, e à inibição dos receptores psitrónicos associados à memória a curto prazo. Tem-se, pois, a histeria com psitrões curtos e a obsessão com psitrões longos.

 

Relativamente à influência da transmissão psemética, ter-se-à que com pai e mãe histéricos, o filho tenderá a se caracterizar por psitrões curtos, enquanto que com pai e mãe obsessivos, o filho tenderá a se caracterizar por psitrões longos. Haverá, portanto, respectivamente, dominância de psitrões curtos e de psitrões longos. Já com mãe histérica e pai obsessivo, o filho tenderá a se caracterizar por psitrões longos, havendo dominância psemética de obsessão sobre a histeria, considerando-se, neste sentido, a importância  e influência da presença da figura paterna na continuidade psicológica do indivíduo, e a característica psitrónica de os psitrões longos se caracterizarem psemeticamente por um maior alcance, talvez por razões filogenéticas. Quanto a uma mãe obsessiva e a um pai histérico, e considerando o inter-relacionamento dos factores em jogo, ter-se-à uma co-dominância dos psitrões curtos e longos, tendo em conta, sobremaneira, as diferenças, para o desenvolvimento do filho, da presença da figura materna e da presença da figura paterna. Neste último enquadramento de histeria e obsessão, perspective-se que, embora a mãe se caracterize por psitrões longos, e portanto, com uma transmissão psemética de maior alcance, o facto de um pai, tendo em conta a importância psicológica da presença da figura paterna, particularmente pela triangulação edipiana, se caracterizar por psitrões curtos, levará a que, posteriormente, se entre em co-dominância.

 

Quanto à telepatia, dir-se-à que o telepata obsessivo se caracterizará por características telepáticas de maior alcance, o que se enquadrará por uma maior distância e provavelmente maior intensidade, do que o telepata histérico, que terá características telepáticas de menor alcance, portanto de menor distância e intensidade. Isto, considerando que no telepata obsessivo predominarão psitrões longos e que no telepata histérico predominarão psitrões curtos. Considerando agora meios como televisão, cinema, rádio, videoconferência ou, por exemplo, videochamada num programa de mensagem instantânea na Internet, podemos caracterizá-los como aproximando, tornando mais curtas as distâncias, mas com a característica presente de representar algo a uma maior distância do que evidencia. Assim, na utilização de telepatia através destes meios, o telepata obsessivo vê encurtado o seu alcance enquanto que o telepata histérico vê esse alcance ser aumentado, em que dir-se-à que o obsessivo é atrofiado com estes meios enquanto que o histérico é potenciado. Deste modo, a telepatia histérica será mais materialista e a telepatia obsessiva mais idealista, o que é coerente, por exemplo, com o materialismo capitalista das sociedades histéricas matriarcais capitalistas, considerando a histeria mais tipicamente feminina. Resumidamente, tem-se que com materiais de contacto, de aproximação, o telepata histérico, com seus psitrões curtos, funciona melhor, e que sem esses materiais, estritamente de ser para ser, será o telepata obsessivo, com seus psitrões longos, a funcionar melhor. No caso dos histéricos, tenha-se em conta a típica superficialidade dos relacionamentos e como isso se conjuga com os característicos psitrões, precisamente curtos, enquanto que nos obsessivos a maior intensidade típica das vinculações conjuga-se bem com as características telepáticas já indicadas de maior intensidade.

 

Voltando às questões filogenéticas e ao maior alcance psemético dos psitrões longos no obsessivo, tipicamente masculino, dir-se-à que o inconsciente colectivo, que se constituirá enquanto vestígios de experiências passadas da Humanidade, particularmente pelas questões associadas à memória a longo prazo, caracterizar-se-à por uma espécie de autotelepatia, em que cada indivíduo contribuirá para a memória colectiva através destes movimentos autotelepáticos. Ao nível desta memória longa, teríamos questões como a reflexão sobre o passado e o planeamento do futuro, que se caracterizariam por movimentos psíquicos, ou mais precisamente, psitrónicos autotelepáticos, para o passado e para o futuro. Estes movimentos autotelepáticos, para o passado e para o futuro, explicarão, em boa medida, os fenómenos das premonições e dos déjà vu. Assim, temos que no caso das premonições, os movimentos autotelepáticos irão do futuro para o passado, do momento X1 para o momento X0, ou presente, enquanto que nos déjà vu, os movimentos autotelepáticos irão para o passado e para o futuro, do momento X2 para o momento X0 relativamente ao momento X1, de forma a que quando se passa por X1, sente-se que já aconteceu. Em termos de arquétipos, esta autotelepatia também poderá explicar porque é que os arquétipos, por exemplo, de Herói ou de Mãe, sejam mais fortes nuns indivíduos do que em outros. Considerando-se, como Jung, os arquétipos enquanto propensões psíquicas, tendências probabilísticas, os movimentos autotelepáticos funcionarão como actualizadores das tendências, em que uma determinada propensão é mais privilegiada do que outra. Da mesma maneira, mas mais ao nível de uma memória média, se pode caracterizar o inconsciente pessoal. Temos, então, a transmissão autotelepática intergeracional e intraindividual do inconsciente colectivo e a transmissão autotelepática intraindividual do inconsciente pessoal. Dir-se-à ainda que as descrições autotelpáticas são reminiscentes de quando se fala de experiências de vidas passadas, que se podem alcançar, por exemplo, através de hipnose regressiva, em que se está a falar do fenómeno da reencarnação.

 

Distinguir-se-à a autotelepatia da telepatia de ser para ser, ou heterotelepatia.

 

Tendo em conta as minhas elaborações, quanto à telepatia, terem surgido numa aproximação à realidade última, a nível mental, poder-se-à dizer que na caracterização geral da telepatia, poderemos aproximar a heterotelepatia ao estado holotrópico, tal como considerado por Stanislav Grof, que nos diz que o estado holotrópico é um estado alterado de consciência que se caracteriza por ir na direcção da totalidade. Surgindo esta noção no âmbito da Psicologia Transpessoal, outra noção desta área permitirá caracterizar melhor esta heterotelepatia, que são os campos alargados de consciência. Introduzo, de seguida, a noção da autotelepatia como se caracterizando por campos alargados de inconsciência. Temos, então, a heterotelepatia enquanto relacionada com a consciência e a autotelepatia enquanto relacionada com a inconsciência. Voltando aos psemes, constituindo-se eles enquanto complexos inconscientes, os mesmos transmitem-se interindividualmente, quer pela sua apreensão inconsciente como também, por exemplo, por comportamentos e verbalizações. No contexto, os psemes fundeiam o inconsciente, particularmente o inconsciente colectivo e o inconsciente pessoal, e influenciam o consciente, particularmente pela consciencialização dos fenómenos inconscientes, e lapsos inconscientes, que irá permitir, por exemplo, os campos alargados de consciência, onde se incluirá a heterotelepatia. Temos, pelo descrito, os psemes com características quer heterotelepáticas quer autotelepáticas.

 

Quanto aos fundamentos perinatais e transpessoais relacionando-se com os psemes, é crucial notar a associação de similitude que Stanislav Grof, um dos fundadores da Psicologia Transpessoal, faz, entre os seus COEX, ou sistemas de experiência condensada, e as ideias de Jung quanto aos complexos psicológicos. Para Grof, os sistemas COEX são encarados como princípios organizadores gerais da psique humana. Os COEX estão associados, para além dos dados biográficos pós-natais, a experiências peri-natais ( trauma do nascimento ) e transpessoais, particularmente, memórias colectivas do inconsciente colectivo, ao nível filogenético. Para Grof, o domínio perinatal da psique humana representa uma entrada importante para o inconsciente colectivo no sentido Junguiano. É que a identificação com a criança que enfrenta a provação de passagem pelo canal de parto parece dar acesso a experiências que envolvem pessoas de outras épocas e culturas. Para mais, este autor refere as interligações íntimas entre acontecimentos da nossa história biológica e os arquétipos Junguianos. Já as experiências transpessoais relacionam-se com experiências de vidas passadas, arquétipos Junguianos, identificação consciente com vários animais e outros e, mais em geral, com memórias ancestrais, raciais, colectivas e filogenéticas, experiências cármicas e com a dinâmica arquetípica. Denote-se, então, que os sistemas perinatais e transpessoais de Stanislav Grof relacionam-se com os psemes e, coerentemente, fundamentam a ideia de transmissão dos psemes de geração em geração, ao longo das gerações, como também quanto ao facto de os psemes constituirem-se enquanto objecto de evolução psicológica humana.

 

Agora, indo de encontro aos “ psychons “ do pensamento, temos J. B. Rhine                    [ ( Hemmert & Roudene, Correia, M. ( Coord. ), ? ], que começa por submeter os trabalhos sobre a Percepção Extra-Sensorial a critérios quantitativos. Procura um método de investigação muito rigoroso, escolhendo as cartas Zener e o método Fischer. Os resultados são positivos: a transmissão do pensamento ultrapassa as coincidências possíveis. Entre os cientistas que continuaram a obra de Rhine está o inglês W. Carington, cujas experiências deixaram supor que existe nos seres humanos um fundo comum de subconsciência, o que equivale ao subconsciente colectivo de Jung. Carington imagina “ psychons “, espécie de partículas psíquicas que atravessam o tempo e o espaço, comparáveis aos iões e protões que nos chegam dos astros.

 

Podemos, então, comparar os “ psychons “ e os psitrões, quer por se constituirem enquanto partículas psíquicas quer por as mesmas atravessarem espaço e tempo, no fenómeno telepático, em que estando ambas relacionadas com o inconsciente colectivo e com os campos alargados de consciência e de inconsciência, poderemos supor que a autotelepatia estará mais relacionada com o tempo e que a heterotelepatia, ou telepatia de ser para ser, estará mais relacionada com o espaço, em que temos, de alguma maneira, consciência mais associada ao espaço e inconsciência mais associada ao tempo.

 

 

Bibliografia

 

Hemmert, D. & Roudene, A., Correia, M. ( Coord. ) ( ? ). O espírito humano – 1 in Grandes Enigmas Do Homem. Amigos do Livro, Editores, Lda.

 

Resende, S. ( 2010 ). Psemes: para além dos genes e dos memes em www.redepsi.com.br, na secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 27/05/2010

 

--------------- ( 2010 ). Psemes: Evolução por Selecção Psicológica em www.redepsi.com.br, na secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 01/09/2010

 

--------------- ( 2010 ). Evolução por Selecção Psicológica Lamarckiana em www.redepsi.com.br, na secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 29/09/2010

 

--------------- ( 2010 ). Psitrões enquanto base dos psemes e suas relações com a histeria e a obsessão em www.redepsi.com.br, na secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 24/11/2010

 

--------------- ( 2010 ). Influência da transmissão psemética por género e por tipo de personalidade em www.redepsi.com.br, na secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 26/11/2010

 

--------------- ( 2011 ). A telepatia e suas relações com os psitrões enquanto base dos psemes em www.redepsi.com.br, na secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 06/02/2011

 

--------------- ( 2011 ). Características psitrónicas dos inconscientes colectivo e pessoal: a autotelepatia em www.redepsi.com.br, na secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 14/02/2011

 

--------------- ( 2011 ). Distinção entre heterotelepatia e autotelepatia em www.psicologado.com ( proposto a 03/2011 )

 

--------------- ( 2012 ). Psemes: fundamentos perinatais e transpessoais em www.psicologado.com ( proposto a 03/2012 )

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Terça-feira, 7 de Janeiro de 2014

Inteligência artificial e o pensamento

Descreve-se, neste artigo, uma contribuição das ciências psicanalíticas para as ciências da computação, e em particular para a inteligência artificial.

 

Começando pela noção mais contemporânea nas ciências da computação, de computação quântica e de estados sobreimpostos, superimpostos ou sobrepostos, diremos que estes dizem respeito à consideração lógica da simultaneidade do estado falso e estado verdadeiro de uma asserção, mas antes de ser medido, pois quando medido ou observado o sistemas se mostra em um único estado ( Wikipédia, pt.wikipedia.org/wiki/Sobreposicao_Quantica ). Mais especificamente, a sobreposição dos estados é nulificada e o valor esperado de um operador é o valor esperado do operador nos estados individuais, multiplicado pela fracção do estado sobreposto que está nesse estado ( Wikipedia, en.wikipedia.org/wiki/Quantum_Superposition ). Repare-se que, como muito importante, já se fala aqui em nulificação de um estado, apelando eu a seguir a uma extensão desta noção.

 

Consideremos, agora, ao nível de uma contribuição das ciências psicanalíticas para a computação, e em particular para a inteligência artificial.

 

Assim, temos o não enquanto organizador psíquico, ou, por outras palavras, ter noção psicológica da negatividade de uma asserção, e temos o não-seio, enquadrado na teoria do pensar de Wilfred Bion ( Symington & Symington, 1999 ), em que temos o pre-conceito associado a uma frustração dando origem ao conceito, em que o não-seio é potenciador e criador de pensamento, tendo origem na noção de que o bebé quando frustrado quanto baste em relação à necessidade do seio materno potenciará o seu pensamento, tendo o mesmo como falta da satisfação desejada.

 

Deste modo, em termos de inteligência artificial, ao nível da computação, chegamos à noção de estados subimpostos, em que quer o estado verdadeiro quer o estado falso são negados, levando-nos à noção de que essa negação estará relacionada com o tempo lógico, no sentido em ser uma negação e estados temporalmente provisórios. Em termos de pensamento, em particular, pensamento científico, remete-nos para a noção muito de Karl Popper da provisoriedade das verdades científicas e no sentido de elas serem refutáveis, noções estas que se ligam muito bem com o dito até aqui. Isto fará caracterizar uma inteligência artificial com um pensamento de nível científico, uma inteligência artificial enquanto cientista. Para mais, naquela temporalidade provisória da negação e estados subimpostos, e ao nível de uma árvore de decisões computacional, teríamos que aquela negação inicial levaria a uma regressão na árvore, com reinício do processo, em que teríamos uma espécie de tentativa e erro. Com um processo continuado de negações e reinícios, teríamos algo ao nível da reflexão, de uma capacidade reflexiva, em que tendo em conta o registo em memória das tentativas, e seus resultados, teríamos algo ao nível de uma aprendizagem, de uma capacidade de aprender. No seguimento, é importante aqui referir outro desenvolvimento Bioniano, que é a ideia de os pensamentos estarem à “ espera “ do pensador para os pensar, e isto no contexto teórico dos conteúdos do pensamento, para Bion, surgirem antes do continente, ou aparelho para pensar, tornando isto mais valorativo o input computacional. É de dizer que embora a resposta seja importante, a pergunta é essencial. Estas considerações vão na linha da importância atribuída à introjecção, na vida mais precoce do bebé, no enquadramento da perspectiva teórica das relações de objecto internalizadas, perspectiva micro-sociológica, e não psicogenética, esta mais Kleiniana, que valoriza mais a projecção inicial na vida precoce do bebé.

 

Os processos já descritos fazem-nos lembrar um mecanismo de defesa mais tipicamente obsessivo, o juízo de condenação, que, remetendo para a capacidade de adiar a gratificação, é descrito em Vocabulário da Psicanálise ( Laplanche & Pontalis, 1990 ) como uma operação ou atitude pela qual o indivíduo, ao tomar consciência de um desejo, a si mesmo proíbe a sua realização, principalmente por razões morais ou de oportunidade. Para mais, Daniel Lagache, citado no mesmo livro, caracteriza este juízo ao nível do adiamento da satisfação, modificação dos alvos e dos objectos, tomada em consideração das possibilidades oferecidas pela realidade ao indivíduo e dos diversos valores em jogo e compatibilidade com o conjunto das exigências do indivíduo, sendo, como é de ver, características muito apropriadas para um funcionamento computacional de uma inteligência artificial. Coerentemente, para o presente artigo, e no mesmo livro, é dito que para S. Freud o juízo de condenação é um avatar da negação, em que o não é a sua marca, só se tornando possível graças à criação do símbolo da (de)negação, conferindo ao pensamento um primeiro grau de independência, quer em relação às consequências do recalcamento quer em relação à compulsão do princípio do prazer, ou traduzindo computacionalmente, às necessidades mais imediatas, podendo nós pensar, por exemplo, em necessidades energéticas, no sentido da eficiência energética, como o desligar temporariamente sistemas que não estejam a ser precisos, estando isso representado exemplarmente no save screen ou protecção de ecrã dos computadores normais. Vemos aqui novamente o factor temporal, que se liga a um tipo de recalcamento, e à independência em relação a este.

 

Teríamos, no todo, com estados quânticos subimpostos, com negação simultânea do estado falso e do verdadeiro, a possibilidade da criação de uma inteligência artificial com capacidades pensativas ao nível científico, com potencialidade de capacidade reflexiva e capacidade de aprender, com um mecanismo de defesa em todo ele semelhante ao humano.

 

 

 

Bibliografia

 

Laplanche, J. & Pontalis, J. B. ( 1990 ). Vocabulário da Psicanálise ( 7ª edição )                  ( tradução portuguesa ). Editorial Presença

 

Symington, J. & Symington, N. ( 1999 ). O pensamento clínico de Wilfred Bion. Climepsi Editores

 

Wikipedia. Quantum Superposition in en.wikipedia.org/wiki/Quantum_Superposition, consultado em 06/01/2014

 

Wikipédia. Sobreposição Quântica in pt.wikipedia.org/wiki/Sobreposicao_Quantica, consultado em 06/01/2014

publicado por sergioresende às 13:30
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